Um novo cenário regulatório para empresas no ambiente online 

Um novo cenário regulatório para empresas no ambiente online 
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Da repercussão nas redes à aprovação no Congresso, a discussão sobre proteção de menores no ambiente digital ganha força. Uma nova lei sancionada pode mudar não apenas a lógica das plataformas, mas também a forma como marcas e empreendedores atuam online. 

No dia 6 de agosto de 2025, a internet brasileira foi sacudida por um vídeo que rapidamente alcançou milhões de visualizações e se tornou um marco do debate público. A repercussão foi imediata. Em poucas horas, o conteúdo com o tema “adultização”, estava entre os assuntos mais comentados do país e abriu espaço para um intenso debate sobre a vulnerabilidade de crianças e adolescentes em ambientes digitais.

Mais do que um fenômeno momentâneo das redes, o episódio trouxe à tona uma ferida aberta da era digital: a forma como algoritmos privilegiam engajamento sem critérios claros, expondo menores a diversos riscos.

Esse movimento não parou no debate público. A pauta chegou também ao campo legal, alimentando discussões sobre a criação de novos dispositivos regulatórios que colocam o Brasil na vanguarda mundial de leis específicas voltadas à proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital.

O impacto, porém, não se limita ao aspecto jurídico. Com a eventual sanção de uma nova norma, que representa um passo necessário e urgente na proteção dos menores no ambiente digital, surge também outra questão: como marcas, empresas e empreendedores poderão se adequar e colaborar para construir esse novo cenário. Mais do que atentar as mudanças, será preciso enxergá-las como uma oportunidade de reforçar a confiança, investir em transparência e consolidar relações responsáveis e sólidas com seus públicos.

Conjuntura: o cenário da regulação das redes sociais

Antes de falarmos dos efeitos legais relacionados a “adultização” e suas consequências para negócios digitais, é importante destacar o contexto mais amplo em que esse debate acontece. Trata-se de uma discussão que vem ganhando força no Brasil e no mundo, marcada por decisões judiciais, novas legislações e propostas pioneiras.

No Brasil, um exemplo emblemático foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 26 de junho de 2025, que alterou de forma significativa a interpretação do Marco Civil da Internet. Por 8 votos a 3, a Corte declarou parcialmente inconstitucional o artigo 19, que desde 2014 protegia as plataformas de responsabilização civil por conteúdos de terceiros, salvo em caso de ordem judicial. A partir desse julgamento, empresas de tecnologia passaram a ser obrigadas a agir de forma imediata e preventiva quando notificadas sobre conteúdos manifestamente ilegais, como incitação ao ódio, crimes de violência ou exploração. A mudança ampliou as obrigações de moderação e aumentou o risco jurídico para negócios digitais que dependem de conteúdos gerados por usuários e da lógica algorítmica de recomendação.

Esse movimento brasileiro não é isolado. A regulação das redes sociais é um tema efervescente no cenário internacional, com avanços importantes em diferentes países:

 • Estados Unidos – Em meio à ausência de uma lei federal abrangente, o país avança em nível estadual. Nova York está prestes a implementar o SAFE for Kids Act, que restringe o uso de algoritmos para recomendar conteúdo viciante a menores sem consentimento dos pais e limita notificações noturnas. Em paralelo, tramita no Congresso o Take It Down Act, que obriga plataformas a remover imagens íntimas não consentidas, incluindo deepfakes, em até 48 horas. Essas medidas enfrentam resistência de gigantes da tecnologia e devem ser testadas nos tribunais.

 • Canadá –  O Online Harms Act (Bill C-63) foi apresentado em 2024 com a proposta de criar uma Digital Safety Commission, agência federal encarregada de regular plataformas e exigir planos de segurança digital, com foco em combate ao extremismo, desinformação e exploração infantil. Embora o projeto tenha perdido fôlego com o fim da legislatura, especialistas, como pesquisadores da Internet Society, destacam a importância de se enfrentar riscos digitais, alertando ao mesmo tempo para o perigo de normas excessivamente amplas que possam restringir a liberdade online.

 • União Europeia – Desde 2022, a região aplica o Digital Services Act (DSA), considerado o marco regulatório mais abrangente já criado para o ambiente digital. Ele estabelece regras de transparência sobre moderação de conteúdo, auditorias regulares de algoritmos e relatórios de risco obrigatórios para grandes plataformas. O DSA também impõe prazos curtos para a remoção de conteúdos ilegais, transformando o papel das redes, que deixam de ser meras intermediárias para assumir responsabilidades diretas.

 • Austrália –  O país já conta com a Online Safety Act (2021), que criou a figura do eSafety Commissioner. Esse órgão tem poder para emitir ordens de remoção de conteúdos nocivos sob pena de multas pesadas, especialmente no caso de imagens abusivas ou violentas, estabelecendo um modelo agressivo de proteção online.

 • Dinamarca –  Em julho de 2025, o país apresentou uma proposta inédita de alteração na lei de direitos autorais: garantir que cada cidadão tenha direitos legais sobre sua imagem, voz e feições faciais, visando combater o uso abusivo de tecnologias como os deepfakes. A proposta prevê a criminalização da criação e divulgação desses conteúdos sem consentimento e sanções para plataformas que não removerem o material após notificação. Como resumiu o Ministro da Cultura dinamarquês.

Esse panorama internacional mostra que a regulação das redes sociais deixou de ser uma hipótese distante e já é realidade em várias partes do mundo, ainda que em formatos diferentes. A pressão por regras mais claras cresce à medida que aumentam os riscos associados ao uso das plataformas, sobretudo para públicos mais vulneráveis. No Brasil, esse movimento ganhou novo fôlego com o debate sobre a adultização das redes sociais.  

ECA Digital

Com a repercussão, o tema deixou de ser apenas um burburinho nas timelines e se tornou uma das principais pautas no cenário político. A discussão, que até então caminhava lentamente e parecia estacionada no Congresso, acabou sendo acelerada pela pressão social e pela visibilidade do assunto.

Em 20 de agosto de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2.628/2022, conhecido como ECA Digital, que estabelece regras específicas para proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais. O texto, composto por 16 capítulos e 41 artigos, define deveres claros para empresas de tecnologia, cria mecanismos de fiscalização e prevê punições severas que vão de advertências a multas de até R$ 50 milhões, podendo incluir suspensão ou até proibição de atividades no país em casos graves. 

O projeto foi sancionado e coloca o Brasil como pioneiro internacional, tornando-se o primeiro país a proibir que plataformas analisem o comportamento de crianças e adolescentes para segmentar anúncios publicitários, prática central do modelo de negócios das big techs.

O ECA Digital passa a ser Lei Federal 15.211/2025 que determina que produtos e serviços digitais destinados a crianças e adolescentes, ou que tenham grande chance de serem acessados por esse público, sejam desenvolvidos sob o princípio do “melhor interesse da criança”. Na prática, isso significa que as empresas terão de alinhar suas operações não apenas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas também ao Código de Defesa do Consumidor e às diretrizes de proteção integral já previstas na legislação brasileira. Para as plataformas, a regra exige que medidas de segurança sejam incorporadas desde o desenho até a execução dos serviços, de forma a minimizar a exposição de menores a riscos e garantir resposta rápida diante de conteúdos prejudiciais. 

Portanto, a nova lei trouxe à tona a necessidade de aplicar no ambiente online princípios jurídicos que já existiam no ordenamento brasileiro. Como explicou à Agência Brasil a advogada de direitos digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Marina Fernandes, o projeto de lei adapta direitos que já estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que não costumam ser aplicados nas redes sociais.

Segundo ela, a proposta não cria uma nova lógica de proteção, mas fortalece a aplicação de normas que já deveriam orientar o mercado digital. O Idec integra a Coalizão Direitos na Rede, que reúne entidades da sociedade civil para pressionar por maior responsabilidade das plataformas e proteção de crianças e adolescentes no ambiente online. “O PL cria um ecossistema de regulação para as plataformas digitais em relação a crianças e adolescentes. O projeto determina que as plataformas tenham mais deveres e obrigações. Inicialmente, no artigo 5º, por exemplo, ele traz que as plataformas devem prevenir danos à infância”, explicou Marina Fernandes.

Novas regras

O ECA Digital passa a ser Lei Federal 15.211/2025 que determina que produtos e serviços digitais destinados a crianças e adolescentes, ou que tenham grande chance de serem acessados por esse público, sejam desenvolvidos sob o princípio do “melhor interesse da criança”. Na prática, isso significa que as empresas terão de alinhar suas operações não apenas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas também ao Código de Defesa do Consumidor e às diretrizes de proteção integral já previstas na legislação brasileira. Para as plataformas, a regra exige que medidas de segurança sejam incorporadas desde o desenho até a execução dos serviços, de forma a minimizar a exposição de menores a riscos e garantir resposta rápida diante de conteúdos prejudiciais. 

Portanto, a nova lei trouxe à tona a necessidade de aplicar no ambiente online princípios jurídicos que já existiam no ordenamento brasileiro. Como explicou à Agência Brasil a advogada de direitos digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Marina Fernandes, o projeto de lei adapta direitos que já estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que não costumam ser aplicados nas redes sociais.

Segundo ela, a proposta não cria uma nova lógica de proteção, mas fortalece a aplicação de normas que já deveriam orientar o mercado digital. O Idec integra a Coalizão Direitos na Rede, que reúne entidades da sociedade civil para pressionar por maior responsabilidade das plataformas e proteção de crianças e adolescentes no ambiente online. “O PL cria um ecossistema de regulação para as plataformas digitais em relação a crianças e adolescentes. O projeto determina que as plataformas tenham mais deveres e obrigações. Inicialmente, no artigo 5º, por exemplo, ele traz que as plataformas devem prevenir danos à infância”, explicou Marina Fernandes.

A nova lógica da publicidade

Um dos pontos sensíveis é o impacto sobre o marketing digital. A proibição do uso de dados de crianças e adolescentes para segmentar anúncios altera profundamente a lógica das campanhas online. O texto também veta o uso de técnicas como análise emocional, realidade aumentada, estendida e virtual para atingir esse público.

Empresas de moda, games, música, educação e cultura pop, que dependem fortemente de consumidores jovens, terão de repensar suas estratégias. Se antes era possível direcionar campanhas com base no comportamento online, agora isso se torna ilegal. A responsabilidade também se amplia. Não é apenas a plataforma que pode ser punida; a marca que patrocinar campanhas fora das regras também poderá ser multada.

Para Jonas Valente, pesquisador da UnB e membro da Coalizão Direitos na Rede “O perfilamento já é uma técnica largamente utilizada e influencia diretamente o comportamento das pessoas, desde o que consomem até como formam suas opiniões políticas. No caso de crianças e adolescentes, que têm menor capacidade crítica para diferenciar publicidade de informação, essa proibição cria salvaguardas essenciais.”

Transparência e fiscalização

O ECA Digital inova também ao impor uma obrigação inédita de transparência para plataformas acessadas por mais de 1 milhão de usuários no Brasil. Essas empresas deverão publicar relatórios semestrais, em português, detalhando canais de denúncia disponíveis, volume de notificações recebidas, ações de moderação e medidas para aprimorar a proteção de dados e a privacidade de menores. Também deverão abrir dados para fins de pesquisa técnica, acadêmica ou jornalística.

Outro ponto decisivo é a criação de uma autoridade nacional autônoma, encarregada de regulamentar e fiscalizar o cumprimento da lei. Esse órgão terá poder para aplicar sanções severas, garantindo que plataformas e anunciantes sigam as novas regras.

Alcance transversal – Os impactos não ficam restritos ao setor de tecnologia. Empresas de varejo, saúde, educação e entretenimento, que usam redes sociais como vitrine ou canal de vendas, também terão de rever práticas. Isso inclui ajustar contratos com agências, repensar campanhas e criar políticas internas de governança digital voltadas à proteção do público infantojuvenil.

O aspecto legal ampliado – O ECA Digital se integra ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ampliando os riscos jurídicos. O descumprimento pode gerar não apenas multas administrativas, mas também responsabilização civil e até criminal. Uma empresa que não adote medidas preventivas e permita, ainda que de forma indireta, a circulação de conteúdos de exploração infantil poderá ser responsabilizada por omissão.

Hora de recalcular a rota

Além das big techs, as empresas brasileiras terão de investir em compliance e segurança digital, enquanto marcas de diversos setores precisarão ajustar suas estratégias de marketing para lidar com um público que já não pode ser alcançado da mesma forma. O risco jurídico passa a ser compartilhado entre plataformas, anunciantes e agências.

É importante lembrar que a lei ainda não está em vigor, pois depende da sanção presidencial. No entanto, justamente por se tratar de um marco que coloca o Brasil na vanguarda mundial da proteção digital infantojuvenil, é fundamental que empresas e empreendedores se adiantem. Estar atentos desde já significa não apenas evitar futuras sanções, mas também demonstrar responsabilidade e compromisso com crianças e adolescentes no ambiente digital.

Toda e qualquer empresa que atue nas redes sociais, independentemente do porte ou do setor, precisará se adequar. Quem se preparar com antecedência, adotando práticas de transparência e segurança, terá mais condições de construir relações de confiança com seus consumidores e de se posicionar positivamente nesse novo cenário.

Texto: Bruno Nasser

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