Era 1975 quando dois jovens nerds em Harvard, Bill Gates e Paul Allen, decidiram escrever um código. Não um qualquer — mas o primeiro programa que permitiria a um computador pessoal, o Altair 8800, entender a linguagem BASIC. Sem tela, sem mouse, com pouquíssima memória e um monte de sonhos, nascia ali a semente de uma revolução que, 50 anos depois, redefine o que significa ser humano, trabalhar, criar… e até nascer.

Em abril deste ano, a Microsoft completou meio século de existência. Como parte das comemorações, Gates publicou o código original do Altair BASIC em seu blog pessoal — um gesto simbólico, que convida o mundo a revisitar as origens do império digital. O código, escrito em um terminal PDP-10 emprestado pela Universidade de Harvard, representa mais do que nostalgia: é o ponto de partida de uma era onde o software se tornou o tecido invisível que costura nossas vidas.
Da Microsoft ao império avaliado em US$ 4,44 trilhões, o que veio depois é história: o MS-DOS, o Windows, o Office, o surgimento da internet, os smartphones, os dados, a nuvem. E, finalmente, a Inteligência Artificial.
Se o Altair BASIC representava a tentativa de ensinar lógica às máquinas, hoje as máquinas respondem com uma lógica própria, autônoma, criativa, adaptável. O código que antes dependia de dedos humanos, agora escreve a si mesmo. E é nesse ponto que o mundo passa por sua transformação mais profunda.

Um memorando vazado do Shopify revela o novo normal: a IA agora é parte do processo decisório, do desempenho, das promoções. Nenhuma vaga é aberta sem antes se provar que a IA não pode fazer o trabalho. O CEO da empresa, Tobi Lutke, não está sozinho: Meta, Google, Salesforce, Klarna e Duolingo seguem o mesmo caminho, demitindo milhares para automatizar o que antes era humano.
Essa substituição silenciosa (e às vezes barulhenta) está redefinindo o conceito de produtividade. Afinal, se uma IA pode programar, escrever, analisar dados e até criar obras artísticas, o que nos resta? A pergunta que paira: somos insubstituíveis ou apenas ainda não fomos mapeados?
E se nem mesmo o processo de contratação escapa à influência da IA? Nos EUA, empresas de tecnologia relatam fraudes em entrevistas e currículos gerados por inteligência artificial. A previsão do Gartner é assustadora: até 2028, 25% dos candidatos poderão ser “fakes” digitais. E não para por aí. A mesma consultoria projeta que, até 2027, 40% das violações de dados estarão relacionadas ao mau uso de IA generativa.
A IA, que antes prometia eficiência, agora desafia a confiança, a segurança e até a verdade. Quando tudo pode ser forjado, da imagem ao comportamento, o que é real?

Do ventre da máquina ao berço da vida – E então, a IA cruza mais uma fronteira: a da vida. Em abril de 2025, nasceu o primeiro bebê fruto de uma fertilização 100% automatizada por IA. Um robô, controlado remotamente entre Nova York e Guadalajara, selecionou espermatozoides, imobilizou-os com laser e os inseriu nos óvulos com precisão sobre-humana. O embrião foi implantado e, meses depois, o bebê nasceu saudável.
A medicina reprodutiva, uma das áreas mais sensíveis da ciência, foi redesenhada por algoritmos. Menos erros, mais acessibilidade, mais rapidez. E também, inevitavelmente, mais dilemas.
Se o nascimento já pode ser assistido por IA, a morte também está sendo reimaginada. Dois cientistas brasileiros, o neurocientista Dr. Fabiano de Abreu e o biotecnologista Hitty-Ko Kamimura, anunciaram a criação de um “clone virtual”. Alimentada por textos, decisões, gravações e padrões de pensamento, a IA simula a lógica cognitiva de uma pessoa.
Não se trata de imortalidade no sentido físico, mas de uma presença racional pós-vida. Uma memória viva, capaz de interagir com filhos e netos. Uma mente que permanece, mesmo quando o corpo se vai.
Este novo mundo — onde máquinas trabalham, pensam, criam, curam e se perpetuam — carrega consigo promessas e riscos. Ganhos de produtividade, sim. Inclusão, acessibilidade, inovação em áreas como educação, medicina e meio ambiente. Mas também desemprego em massa, fraudes digitais, insegurança cibernética, desigualdades ainda mais profundas.

O Fórum Econômico Mundial prevê que 92 milhões de empregos desaparecerão até 2030. Mas também aponta para a criação de 170 milhões de novos postos, todos exigindo habilidades tecnológicas e cognitivas que poucos têm hoje. O segredo, dizem os especialistas, está na requalificação.
O código do Altair BASIC era simples. Feito para ensinar um computador a fazer contas, rodar comandos. Meio século depois, estamos assistindo a evolução exponencial de tecnologias que há poucos anos chamávamos de ficção científica.
Ao revelar seu primeiro programa, Bill Gates nos convida a lembrar de onde viemos. Mas talvez a pergunta mais urgente seja: para onde vamos?
A tecnologia, hoje, já não é mais só ferramenta. É protagonista. E nós? Precisamos decidir se seremos autores ou apenas espectadores do próximo capítulo.