Revista Atual

Computação Quântica e os novos estados da matéria: O futuro já começou

A fronteira entre ciência e ficção científica acaba de se tornar mais tênue. Nas últimas décadas, a computação quântica deixou de ser apenas um experimento teórico e se consolidou como uma das apostas mais promissoras para a revolução tecnológica do século XXI. Agora, com os avanços recentes da Microsoft e a descoberta de novos estados da matéria, o mundo científico dá mais um passo em direção a um futuro onde limites computacionais deixam de existir, e onde a própria matéria revela formas até então inimagináveis.

quantica1

Em junho, a Microsoft revelou o Majorana 1, um novo chip quântico baseado em um estado inédito da matéria, diferente dos tradicionais sólido, líquido ou gasoso. A inovação utiliza qubits topológicos, formados a partir dos férmions de Majorana, partículas teóricas descritas em 1937 pelo físico Ettore Majorana, cuja peculiaridade é serem suas próprias antipartículas. Embora ainda não tenham sido isoladas, há indícios de sua presença em materiais supercondutores, onde se comportam como quasipartículas.

Essa característica incomum permite a criação de qubits mais estáveis e menos suscetíveis a erros, um dos maiores obstáculos da computação quântica atual. Enquanto qubits convencionais tendem a perder suas propriedades ao serem medidos, os topológicos operam com maior robustez. O Majorana 1, compacto o suficiente para caber na palma da mão, poderá, futuramente, abrigar até 1 milhão desses qubits, viabilizando cálculos que levariam mais tempo que a idade do universo para serem solucionados por supercomputadores tradicionais. “S_eptilhões de anos”, afirmou_ o próprio CEO da Microsoft, Satya Nadella.

Publicado na revista científica Nature, o avanço marca um passo importante na corrida pela supremacia quântica, colocando a Microsoft em posição de destaque frente a concorrentes como o Google, que, em 2023, já havia demonstrado um computador quântico experimental de desempenho impressionante.

Novos estados da matéria – O chip da Microsoft não é a única surpresa no campo da matéria. Nos últimos anos, cientistas têm identificado novos estados físicos que vão além dos tradicionais sólido, líquido e gasoso, e que podem ser chave para o avanço da computação quântica e outras tecnologias.

quantica5

Entre as descobertas mais relevantes estão:

  • Líquido quiral: encontrado em sistemas quânticos frustrados, esse estado apresenta uma organização altamente assimétrica e pode servir de base para novos tipos de qubits e circuitos quânticos.
  • Gelo-VIIₜ: uma fase da água que surge sob alta pressão e desafia as leis da física clássica, com potenciais aplicações em geofísica e exploração espacial.
  • Fase “meio gelo, meio fogo”: descoberta em compostos magnéticos, revela propriedades contraditórias de estados sólidos e líquidos coexistindo.
  • Matéria quark em estrelas de nêutrons: estudos recentes sugerem que no núcleo dessas estrelas ultra densas pode existir uma forma exótica de matéria, ainda mais densa que os núcleos atômicos conhecidos.

Essas descobertas são mais do que curiosidades científicas. Elas reconfiguram nossa compreensão do universo, possibilitando o desenvolvimento de materiais com propriedades únicas e tecnologias capazes de resolver problemas até então insolúveis.

quantica6

Muito mais do que velocidade – As aplicações da computação quântica ultrapassam a ideia de velocidade. Sua capacidade de processar múltiplas possibilidades simultaneamente abre caminho para avanços sem precedentes em diversas áreas. Entre os usos especulados por pesquisadores, estão:

  • Criação de novos medicamentos e vacinas: simulando interações moleculares em escala atômica com precisão que os computadores atuais não conseguem alcançar;
  • Desenvolvimento de novos materiais: como supercondutores que funcionem à temperatura ambiente ou ligas metálicas ultrarresistentes e leves;
  • Otimização logística em larga escala: como rotas de entrega global, sistemas de transporte urbano e até mesmo redes de abastecimento energético;
  • Criação de algoritmos de inteligência artificial mais potentes e eficientes, que consigam aprender e tomar decisões de maneira mais próxima ao raciocínio humano;
  • Modelagens climáticas e ambientais altamente precisas, fundamentais para lidar com os efeitos das mudanças climáticas;
  • Simulações financeiras complexas, que levem em conta milhares de variáveis simultâneas em tempo real, algo valioso para o mercado financeiro e para a formulação de políticas públicas;
  • E, de maneira controversa, quebra de sistemas de criptografia atuais, o que levanta debates sobre segurança digital, espionagem cibernética e soberania nacional.

Em suma, trata-se de uma tecnologia capaz de provocar uma disrupção transversal, afetando quase todos os setores da economia e da sociedade. Os impactos vão da saúde à física de partículas, da agricultura de precisão à exploração espacial.

Uma nova corrida tecnológica (e geopolítica)

A computação quântica pode impactar desde o desenvolvimento de medicamentos, materiais mais leves e resistentes, até a própria segurança digital. Um computador quântico funcional pode, por exemplo, quebrar os sistemas de criptografia que protegem bancos, dados pessoais e segredos de Estado.

quantica4

Não à toa, essa corrida científica tem também um pano de fundo geopolítico. A China já anunciou investimentos de US$ 15 bilhões no setor, enquanto a União Europeia destinou US$ 7,2 bilhões para suas pesquisas. Nos EUA, gigantes como Google, IBM e Microsoft lideram os avanços com apoio governamental indireto.

Não estamos tão longe – Apesar dos céticos apontarem que a computação quântica ainda está distante da aplicação em larga escala, cientistas da Microsoft afirmam que agora falamos de “anos, não mais décadas” até que ela se torne funcional. Para isso, a estabilidade dos qubits e a correção de erros continuam sendo os maiores obstáculos.

Mas, com a criação do qubit topológico e os recentes avanços no entendimento da matéria, o futuro parece mais próximo. Um futuro onde partículas subatômicas, novas fases da água e chips mais frios que o espaço sideral serão os alicerces da próxima revolução tecnológica.

quantica3

E como bem disse Frank Wilczek, Nobel de Física:
“A computação quântica é uma perspectiva empolgante para a física e para o mundo.”

Pesquise no TI RIO