IA no organograma: os novos cidadãos corporativos das empresas

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Agentes de IA já dividem tarefas com humanos e exigem novas estruturas de trabalho, gestão e confiança nas organizações

Amanda Conceição, Ricardo Lopes, Agente 03B. Não vai demorar para que o organograma de colaboradores da organização comece a listar agentes de IA. Como outros funcionários, esses colaboradores executam tarefas, aprendem, coordenam, analisam contextos, interagem com humanos e outras IAs. Segundo um artigo publicado recentemente pela McKinsey, essa nova lógica de empresa faz surgir os “cidadãos corporativos” – com responsabilidades, custos, regras e metas –, exigindo que as organizações abandonem modelos de gestão industrial e adotem uma mentalidade verdadeiramente digital.

Os sistemas agênticos “pensam” e atuam em diferentes áreas, diferentes tarefas. “Eles raciocinam em horizontes temporais, aprendem com os resultados e colaboram com outros agentes de IA em áreas como detecção de fraudes, conformidade e alocação de capital para otimizar continuamente o desempenho”, citam os autores da análise. “Nas operações, os agentes reequilibram dinamicamente as cargas de trabalho entre os call centers, resolvem as dúvidas dos clientes com respostas contextuais e emocionalmente inteligentes e escalam apenas quando o julgamento humano é necessário. O resultado: melhores decisões, ciclos mais rápidos e custos unitários drasticamente menores.”

Os agentes de IA são capazes de perceber padrões bem antes dos humanos. Em um cenário financeiro de desempenho de empréstimos, por exemplo, divergências inesperadas em uma localidade são identificadas, analisadas e transformadas em insights, antes mesmo que a liderança da área esteja ciente do problema. “Outros agentes podem lidar com relatórios regulatórios ou testes de estresse de forma autônoma, liberando talentos humanos para inovação estratégica”, cita o estudo.

Do assistente ao agente: o salto da IA para a autonomia

A geração atual de IA – como o ChatGPT ou o Copilot da Microsoft – é predominantemente reativa: recebe comandos, responde com base em dados pré-treinados e retorna conteúdos ou recomendações. A próxima geração, denominada IA Agêntica, é proativa. São sistemas autônomos capazes de:

  • Perceber o ambiente
  • Tomar decisões com base em múltiplos critérios e dados em tempo real
  • Executar ações para atingir objetivos definidos
  • Aprender com os próprios erros e sucessos, aprimorando sua atuação

“Estamos diante da evolução da força de trabalho digital – uma réplica funcional e cognitiva da estrutura humana da organização”, afirma Jorge Amar, sócio sênior da McKinsey, em entrevista ao podcast “McKinsey Talks Talent”.

Esses agentes já atuam em funções como atendimento ao cliente, triagem de currículos, agendamento de entrevistas, manutenção preditiva, compliance regulatório e até gestão de estoques. E fazem isso em uma velocidade e escala que seriam impossíveis para humanos.

IA como cidadã corporativa: um novo paradigma de gestão

A ideia de tratar a IA como “cidadã corporativa” propõe que agentes digitais sejam integrados às empresas com os mesmos parâmetros que os trabalhadores humanos:

  • Custo de propriedade: assim como salários e benefícios entram no cálculo de FTEs (full-time equivalents), os custos com infraestrutura, treinamento, supervisão e compliance dos agentes devem ser mensurados.
  • Descrição de cargo: cada agente deve ter objetivos claros e mensuráveis, com performance monitorada como a de um colaborador.
  • Governança e ética: devem estar sujeitos a políticas, auditorias e limites de atuação, sobretudo em decisões sensíveis ou reguladas.
  • Capacidade de colaboração: os melhores sistemas são aqueles em que agentes conseguem operar em rede, interagindo entre si e com humanos para resolver problemas mais amplos.

Essa abordagem eleva a IA de ferramenta tática para ativo estratégico.

Como IA e humanos dividirão o trabalho?

Em uma empresa agêntica, a estrutura de trabalho deixa de ser linear e passa a ser híbrida. A McKinsey sugere uma divisão clara entre os tipos de agentes e suas respectivas funções:

  • Agentes de tarefas: executam fluxos simples e repetitivos de forma autônoma.
  • Agentes solucionadores de problemas: operam com certo grau de julgamento em fluxos pré-definidos.
  • Agentes orquestradores: atuam como gerentes de processos digitais, coordenando outros agentes e humanos.
  • Agentes especialistas por domínio: operam em áreas como RH, finanças ou atendimento, otimizando resultados com base em dados específicos.

Enquanto isso, os humanos assumem papéis mais estratégicos:

  • Curadores e auditores de decisões algorítmicas
  • Profissionais de exceção e contexto
  • Desenvolvedores e treinadores de agentes (como prompt engineers e especialistas de conteúdo)
  • Embaixadores da experiência humana, focados em empatia, negociação e relacionamento

Ou, como define Jorge Amar: “O futuro do trabalho será híbrido – com humanos e agentes lado a lado, cada um fazendo o que sabe melhor”.

A nova arquitetura do trabalho

Com agentes e humanos coexistindo, a própria organização do trabalho precisará ser reconfigurada. Sai o organograma, entra o work chart – uma matriz dinâmica de tarefas, decisões e fluxos interativos que distribui responsabilidades com base em valor e contexto.

Algumas mudanças práticas previstas:

  • Departamentos com zero funcionários humanos: algumas funções repetitivas poderão ser totalmente desempenhadas por agentes (como triagem de currículos, gestão de reembolsos ou verificação de documentos).
  • Gestores híbridos: supervisores irão avaliar a performance de equipes compostas por pessoas e IAs.
  • Requalificação em escala: cargos como operador de call center poderão dar lugar a engenheiros de prompt ou curadores de dados.
  • TI como o “novo RH” dos agentes: será a área responsável por treinar, manter e ajustar esses colaboradores digitais.

E o fator humano, onde fica?

Apesar do avanço da automação, o elemento humano continuará central em três aspectos:

  1. Confiança: para muitos usuários, especialmente em momentos críticos (como acidentes ou decisões médicas), falar com um humano transmite mais segurança do que interagir com um agente. Isso vale até para a geração Z –  73% ainda preferem ligações telefônicas para resolver problemas com empresas.
  2. Empatia: relações com clientes e colaboradores exigem nuances emocionais que a IA, por mais sofisticada que seja, ainda não domina.
  3. Criatividade e valores: processos que envolvem interpretação cultural, dilemas éticos ou criação genuína permanecem sob domínio humano.

O desafio é equilibrar essa dualidade: usar a IA para escalar produtividade sem perder o toque humano que diferencia uma marca e vai construir um sentimento de fidelidade e lealdade junto a talentos.

E os empregos, vão acabar?

A automação gerada por agentes certamente impactará empregos – especialmente os de tarefas repetitivas. Segundo o relatório “2025 Work Trend Index”, da Microsoft, 33% dos líderes consideram usar IA para reduzir quadros, enquanto 50% preferem manter as equipes e usar a IA como complemento de produtividade.

O consenso entre especialistas é que a IA não extinguirá o trabalho, mas sim transformará seu conteúdo. O desafio não será apenas tecnológico, mas humano: como requalificar profissionais, redesenhar funções e criar um novo pacto de confiança entre empresa, IA e trabalhador?

Os riscos: enviesamento, confiança e governança

A adoção de IA em decisões críticas exige vigilância redobrada:

  • Viés algorítmico: agentes treinados com dados históricos podem reproduzir ou até ampliar desigualdades (como aprovações de crédito ou avaliações de desempenho enviesadas).
  • “Caixa preta” decisória: quando uma IA toma decisões de forma opaca, compromete-se a responsabilização.
  • Segurança e compliance: como garantir que um agente que interage com clientes não ofereça um desconto indevido ou viole políticas de privacidade?

Essas preocupações motivam empresas a implantar estruturas de governança robustas: desde comitês de ética de IA até sistemas de auditoria, frameworks de explainability e intervenções humanas em decisões de alto risco.

O que fazer agora: passos para preparar a empresa

Para não perder o bonde da transformação agêntica, a McKinsey recomenda cinco movimentos urgentes:

  1. Redesenhar os papéis: identificar quais decisões podem (ou não) ser automatizadas com base em risco e complexidade.
  2. Formar líderes híbridos: preparar gestores para atuarem com dashboards conjuntos de performance humana e digital.
  3. Investir em IA aplicável ao negócio: integrar dados em tempo real, interoperabilidade entre agentes e arquitetura segura.
  4. Criar cultura e narrativa de mudança: envolver RH e comunicação interna para reduzir a resistência e criar adesão.
  5. Valorizar a empatia e o julgamento humano: desenvolver competências que a IA não substitui – e que, ao contrário, ganham valor em um mundo automatizado.

Fonte: Por Soraia Yoshida | The Shift

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