
Em um ecossistema que celebra o sucesso como se ele fosse linear e imediato, o texto surge como um contraponto lúcido à lógica do “crescimento meteórico” que domina o imaginário das startups. Sua defesa da cultura do erro como motor da inovação e da figura do camelo: resiliente, constante e preparado para longas travessias, em oposição ao unicórnio: veloz, exuberante e frequentemente insustentável, sintetiza uma crítica cada vez mais necessária à forma como o mercado mede o sucesso.
É o que afirma o artigo de Guilherme Skaf Amorim, head da Rosey Ventures, publicado na revista Exame.
A cultura do erro como ativo de inovação
Amorim parte de um ponto essencial: errar é o motor que move a inovação. Num país em que o fracasso ainda é tratado como tabu, reconhecer o erro como etapa de aprendizado é uma mudança cultural profunda. Segundo o autor, o medo de falhar paralisa executivos e empreendedores, impedindo-os de testar hipóteses e de enxergar as fragilidades de seus modelos de negócio.
Sua análise ecoa um consenso crescente entre investidores e pesquisadores de inovação, a experimentação — e os erros que dela decorrem — é a matéria-prima da descoberta. No ambiente de open innovation, em que startups e grandes corporações se cruzam, essa disposição para testar, ajustar e recomeçar é o que separa as empresas adaptáveis das que sucumbem às mudanças de mercado.
Do erro ao aprendizado: a resiliência como métrica de valor
Um dos pontos mais interessantes do artigo é a mudança de lente sobre o investimento. Amorim afirma que, ao avaliar um projeto, não se prende apenas às métricas tradicionais, como crescimento ou tamanho de mercado, mas observa a capacidade do time fundador de refletir sobre os erros e se reorganizar diante das necessidades.
Essa visão desloca o eixo da análise: o que o investidor busca não é apenas um produto escalável, mas um time capaz de aprender com os próprios tropeços. Em um cenário de volatilidade tecnológica, essa habilidade torna-se mais valiosa que qualquer plano de negócios.
O investidor que valoriza quem aprende
O texto afirma que os investidores confiam mais em quem aprende com os erros do que em quem tenta escondê-los. Essa postura revela maturidade e transparência — características que inspiram credibilidade e facilitam o diálogo com o capital de risco.
Amorim lembra que proteger uma visão sem ouvir críticas é limitar o potencial de crescimento, uma observação especialmente pertinente num momento em que o ecossistema de startups enfrenta um “ajuste de realidade” global, com cortes de investimentos e revisão de modelos superdimensionados.
Inovação é, antes de tudo, sobre pessoas e cultura
A parte final do artigo é talvez a mais filosófica e, paradoxalmente, a mais prática. Amorim lembra que inovação não é apenas tecnologia, mas cultura. Empresas que punem o erro criam ambientes de medo e estagnação; aquelas que o tratam como parte da jornada constroem confiança e favorecem a criatividade coletiva.
“Inovar é aceitar a incerteza”, escreve ele. Essa frase sintetiza o espírito da nova economia, em que adaptabilidade e aprendizado contínuo valem mais que previsibilidade.
Camelos x unicórnios: duas metáforas, dois futuros
A oposição entre o camelo e o unicórnio funciona como uma metáfora poderosa. O camelo — símbolo de resistência, constância e equilíbrio — representa o empreendedor que cresce de forma sustentável, enquanto o unicórnio simboliza o crescimento rápido, mas muitas vezes efêmero.
Ao defender que as startups “andem mais como camelos”, Amorim sugere um novo paradigma para a inovação: menos obsessão por valuation, mais foco em valor real.
O artigo propõe uma reeducação do olhar (do investidor, do empreendedor e do público) sobre o que significa inovar. Em vez de perseguir atalhos ou resultados espetaculares, Amorim sugere uma rota de aprendizado constante, resiliência e construção sólida.
Numa era em que o brilho dos unicórnios ofusca as travessias áridas dos camelos, essa reflexão é um lembrete oportuno: a verdadeira inovação nasce do erro e da coragem de aprender com ele.
Texto: Redação TI Rio