O que uma rede de papelarias, um canal musical cultuado por uma geração e a maior empresa de entretenimento do planeta têm em comum? A princípio, nada. Mas o mercado de mídia e entretenimento no Brasil de 2025 contraria a lógica e surpreende.
A Kalunga, tradicional varejista de papelaria e material de escritório, acaba de entrar em campo. A empresa lançou o canal X-Sports, uma nova emissora de TV aberta dedicada ao esporte, com conteúdo sublicenciado da ESPN, pertencente ao grupo Disney. O detalhe mais curioso? O canal ocupa a mesma frequência que, por décadas, foi da lendária MTV Brasil.
Nos anos 1990 e 2000, a MTV Brasil era muito mais que um canal de música. Transmitida em UHF, enquanto gigantes como Globo e SBT chegavam em VHF, ela não estava disponível em todas as TVs, o que só reforçava sua aura underground. A MTV virou referência de linguagem jovem, comportamento e cultura pop alternativa. Era, para muitos, uma senha geracional.
Mas em 2013, o Grupo Abril decidiu encerrar a operação e devolver os direitos da marca à Viacom, deixando a frequência vaga e abrindo espaço para uma nova fase.
A Kalunga assume a frequência (e os riscos)
A partir de 2014, a Kalunga, em parceria com a Spring Comunicação, assume a frequência da antiga MTV e inicia uma série de tentativas de ressignificação do espaço.
A primeira foi a Ideal TV, com uma proposta mais institucional e educativa, mas que não conseguiu engajar o público. Em 2020, veio a Loading TV, com uma grade dedicada à cultura pop, animes, games e eSports, tentando resgatar o estilo da antiga MTV, mas sob a estética da geração geek. Apesar da proposta alinhada aos novos tempos, o canal durou menos de um ano, saindo do ar de forma repentina e deixando órfão um público fiel.
X-Sports: Kalunga entra em campo com a ESPN
Agora, em 2025, a Kalunga tenta um novo jogo. Com o lançamento do canal X-Sports, a marca mergulha no universo do entretenimento esportivo. A aposta é ousada: uma grade recheada de torneios de futebol licenciados da ESPN+, com exibição ao vivo na TV aberta — algo raro em tempos de streaming on demand.
Não se trata de um movimento isolado. O esporte tem se tornado um diferencial competitivo de peso nas batalhas por audiência. O sucesso da CazéTV, criada por Casimiro Miguel, é um exemplo claro: transmissões gratuitas no YouTube, parcerias com Disney+ e Prime Video, e engajamento massivo nas redes.
Futebol virou a nova série de sucesso
A lógica é simples: enquanto séries e filmes podem ser vistos a qualquer hora, os grandes jogos ainda reúnem audiência ao vivo como poucos eventos hoje conseguem. Não por acaso, o Prime Video ultrapassou a Netflix em participação de mercado no Brasil (22% contra 21%), impulsionado justamente pelas transmissões de futebol com nomes como Galvão Bueno e Casimiro.
Trajetória da frequência – A jornada da frequência que já foi da MTV, parece resumir bem a transformação da mídia brasileira. De música para cultura pop. De cultura pop para eSports. De eSports para futebol ao vivo. Mais que isso, ela mostra como empresas fora do mercado tradicional de comunicação estão encontrando maneiras de ocupar espaços de influência.
A Kalunga, conhecida há décadas por vender cadernos, canetas e impressoras, agora compete por atenção no universo digital e no velho aparelho de TV, com o respaldo da Disney e o apelo do futebol.
No fim das contas, mais do que uma simples curiosidade de mercado, o que se vê é um retrato vivo da transformação digital em curso. Uma era em que plataformas se fundem, linguagens se reinventam e fronteiras entre setores se dissolvem. A ascensão do streaming, o consumo sob demanda, a fragmentação da audiência e o poder dos algoritmos não eliminaram a televisão — apenas a remodelaram.
Esse movimento da Kalunga é, ao mesmo tempo, símbolo e sintoma de uma nova lógica: o encontro entre o antigo e o novo, onde tecnologia, comportamento e oportunidade se alinham para criar novas formas de empreender, comunicar e entreter.
Texto: Redação TI Rio