
Com o lançamento da Constelação de Computação de Três Corpos, Pequim realiza o primeiro teste operacional de uma rede de supercomputadores de IA no espaço e inaugura uma nova era na computação global
Em maio de 2025, a China deu início a um dos projetos tecnológicos mais ambiciosos da década: a construção de uma constelação de satélites voltada a formar o primeiro supercomputador de inteligência artificial (IA) em órbita.
Batizada de Constelação de Computação de Três Corpos, a iniciativa marca o início de uma nova corrida espacial. Não por território, mas por capacidade computacional fora da Terra.
De acordo com o portal IFLScience, os primeiros satélites dessa rede foram lançados em junho de 2025, com o objetivo de testar as funções básicas de um centro de processamento de dados espacial. O plano chinês é que essa primeira frota, formada por uma dúzia de satélites, seja apenas o embrião de uma estrutura que poderá chegar a milhares de unidades interconectadas, capazes até mesmo de sustentar centros de dados em órbita lunar.
“Eles não estão colocando data centers no espaço porque esse é um lugar melhor para eles. Estão fazendo isso porque há uma necessidade de processar dados espaciais diretamente no espaço”, explicou o engenheiro de sistemas espaciais Russell Hills, em entrevista ao IFLScience.
Por que levar data centers para o espaço
Com o avanço da inteligência artificial e da análise de grandes volumes de dados, os data centers terrestres enfrentam um desafio crescente: altíssimo consumo de energia e água para o resfriamento de servidores.
Segundo estimativas citadas pelo IFLScience, as estruturas de processamento de IA em larga escala já representam uma das principais fontes de demanda energética global, um problema que tende a se agravar com a popularização dos Modelos de Linguagem Ampla (LLMs), como o ChatGPT e seus equivalentes chineses.
A proposta chinesa busca mitigar esse impacto ambiental transferindo parte do processamento para o espaço, onde o vácuo frio e a radiação solar podem ser usados de forma natural para resfriamento e alimentação energética.
De acordo com informações do governo chinês, os satélites da Constelação de Computação de Três Corpos serão capazes de processar dados a uma velocidade combinada de 1.000 petaoperações por segundo (1 quintilhão de operações), utilizando painéis solares para geração de energia e liberação direta do calor residual no espaço, reduzindo emissões de carbono. “O consumo de energia dos data centers no mundo está crescendo rapidamente com a introdução de sistemas de IA, e isso se tornou uma preocupação para a capacidade de geração e as emissões globais”, comentou Hills ao IFLScience.
Como o sistema vai funcionar
Atualmente, satélites em órbita coletam uma enorme quantidade de dados — imagens, medições atmosféricas, informações de telecomunicação — que precisam ser transmitidos à Terra antes de serem analisados.
Essa transmissão, porém, é cara e limitada pela largura de banda.
A proposta chinesa inverte essa lógica: os supercomputadores espaciais farão a análise diretamente em órbita, enviando para a Terra apenas os resultados finais, já processados.
Isso reduziria o tráfego de dados, aumentaria a velocidade de resposta e permitiria o uso de estações terrestres menores e mais simples.
“Tomando um exemplo simples: se um satélite de vigilância estiver observando uma área, em vez de enviar constantemente todas as imagens, ele poderá rodar algoritmos de detecção de mudança e avisar apenas quando algo realmente se altera”, explicou Hills ao IFLScience.
Além de otimizar o uso de rede, esse modelo permitiria que missões espaciais autônomas, como sondas lunares e naves interplanetárias, analisassem seus próprios dados em tempo real, sem depender de transmissão constante para a Terra.
Desafios técnicos e logísticos
Apesar das vantagens teóricas, colocar um data center no espaço está longe de ser simples.
Projetar máquinas complexas para operar em microgravidade, suportar radiações intensas e variações extremas de temperatura exige uma engenharia de altíssima precisão, além de custos astronômicos de lançamento e manutenção.
Segundo especialistas citados pelo IFLScience, os supercomputadores espaciais chineses ainda enfrentam obstáculos como gestão de calor, estabilidade orbital, blindagem contra radiação e latência de comunicação.
Mesmo assim, a iniciativa é considerada um teste empírico pioneiro, capaz de moldar o futuro da computação distribuída e abrir caminho para uma nova geração de infraestrutura digital global.
Outros países também planejam data centers espaciais
Embora a China lidere o experimento prático, outras nações e empresas já discutem projetos semelhantes.
Nos Estados Unidos, a startup Starcloud, sediada em Washington, propôs a construção de uma estrutura solar de 4 km por 4 km (o equivalente a um quinto da área de Manhattan) para alimentar data centers orbitais.
Segundo o IFLScience, o ex-CEO do Google, Eric Schmidt, teria inclusive adquirido a Relativity Space com o objetivo de acelerar o lançamento de infraestrutura de computação em órbita.
Na Europa, a Comissão Europeia também estuda a viabilidade de centros de dados espaciais, conforme um white paper divulgado pelo bloco.
O projeto europeu, porém, ainda é teórico e, de acordo com especialistas, subestima os custos reais de energia e transporte, baseando-se em projeções otimistas sobre novas naves espaciais que ainda não estão em operação.
O início de uma nova era?
Mesmo que ainda pareça ficção científica, a Constelação de Computação de Três Corpos representa um marco simbólico e tecnológico: o primeiro passo para que a humanidade leve sua inteligência digital para fora da Terra.
Segundo análise do IFLScience, o teste chinês pode redefinir não apenas a forma como os dados espaciais são processados, mas também como as inteligências artificiais são treinadas e utilizadas, especialmente aquelas baseadas em grandes modelos de linguagem e aprendizado de máquina.
Se bem-sucedido, o projeto poderá inaugurar uma nova fronteira da computação verde e distribuída, onde a energia solar, o resfriamento natural e a ausência de limites geográficos tornam o espaço o ambiente ideal para abrigar o próximo salto tecnológico da humanidade.
“Pode parecer estranho ou até ficção científica, mas há boas razões para isso. Os data centers no espaço podem mudar a forma como usamos a inteligência artificial e como lidamos com os recursos da Terra”, conclui Hills.
Texto: Redação TI Rio