
Em um momento de crescente influência da tecnologia na vida pública e privada, o Brasil vive uma semana decisiva para a construção de um novo pacto digital. Três iniciativas, o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Marco Civil da Internet, a tramitação do Marco Legal da Inteligência Artificial no Congresso e a aprovação de uma campanha nacional de uso consciente da tecnologia, apontam para uma tentativa institucional de lidar com os impactos sociais, jurídicos e éticos do mundo digital.
No centro desse debate está uma questão-chave: até que ponto a tecnologia pode operar livremente sem comprometer direitos fundamentais?
STF discute responsabilidade das plataformas digitais
No dia 4 de junho, o STF retomou o julgamento que pode reconfigurar a atuação das redes sociais no Brasil. Em análise está a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, legislação de 2014 que isenta plataformas da responsabilidade por conteúdos de terceiros, salvo se descumprirem ordem judicial de remoção.
O dispositivo, considerado inovador à época, passou a ser alvo de críticas diante da explosão de desinformação e do uso sistemático das redes para disseminar discurso de ódio, incitação à violência e outros crimes. Agora, o Supremo discute se plataformas devem ser responsabilizadas por não removerem conteúdos considerados ilícitos mesmo antes de decisão judicial.
Até o momento, três ministros , entre eles o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, votaram por um entendimento mais rígido, que responsabiliza as plataformas em casos de omissão. O ministro Luiz Fux foi enfático ao afirmar que, diante de conteúdos que envolvem crimes graves ou que incitam a violência, as plataformas não podem aguardar uma decisão judicial para agir.
Embora o julgamento ainda esteja em curso, o posicionamento da maioria dos ministros já aponta para uma jurisprudência mais exigente em relação à moderação de conteúdo. Caso se consolide, essa nova interpretação poderá obrigar as empresas a desenvolver mecanismos mais eficazes de detecção e remoção proativa de publicações perigosas, sob pena de responsabilização civil.
Congresso avança no Marco Legal da Inteligência Artificial
Enquanto o Judiciário discute os limites da responsabilidade digital, o Legislativo trabalha para definir as bases legais para o uso da inteligência artificial no país. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2.338/2023, já aprovado no Senado, propõe um marco regulatório que classifica os sistemas de IA conforme seu nível de risco aos direitos fundamentais.
A proposta veta o uso de tecnologias de risco extremo, como sistemas autônomos letais e ferramentas de vigilância algorítmica sem supervisão humana. O texto também exige que modelos de IA generativa e de uso geral passem por uma avaliação prévia de riscos antes de serem comercializados ou adotados.
Com votação prevista no Senado para o próximo dia 12, o marco legal busca equilibrar o incentivo à inovação com a proteção à sociedade, especialmente em áreas sensíveis como segurança pública, decisões judiciais, crédito, educação e saúde. A proposta reflete a preocupação global com os efeitos imprevisíveis da automação em larga escala, e coloca o Brasil entre os países que buscam antecipar-se aos danos potenciais da tecnologia.
Campanha nacional propõe uso mais saudável das telas
Na outra ponta da discussão, o foco está nos usuários, especialmente os mais jovens. A Câmara dos Deputados aprovou em 28 de maio o PL 3.224/2024, que institui uma campanha anual de conscientização sobre o uso responsável da tecnologia. A proposta, agora em análise no Senado, prevê atividades educativas todo mês de abril em escolas, unidades de saúde e meios de comunicação.
O objetivo é alertar para os riscos do uso excessivo de redes sociais, jogos eletrônicos e outros conteúdos digitais, cujos impactos vão da ansiedade ao isolamento social. Especialistas apontam que o excesso de estímulos digitais pode afetar a saúde mental, física e emocional, sobretudo em crianças e adolescentes em formação.
A campanha busca abrir espaço para o diálogo sobre hábitos digitais saudáveis e o papel das famílias, escolas e plataformas nesse processo. Em um ambiente cada vez mais mediado por telas, a proposta é reconhecer que a tecnologia não é neutra, e que seu uso precisa ser orientado com responsabilidade.
O país diante de um novo pacto digital – O que une os três movimentos institucionais é a tentativa de construir regras claras para um ambiente digital que até hoje operou, em muitos aspectos, à margem da legislação tradicional. O julgamento no STF, o Marco Legal da IA e a campanha de uso consciente não se isolam, formam peças de um mesma iniciativa, o esforço por redefinir o papel da tecnologia numa sociedade democrática.
Texto: Redação TI Rio